quinta-feira, 14 de novembro de 2024

O SUSSURRO DO INFINITO - Nelsinho Ferreira

 

O relógio marcava 23h35min do dia 3 de março de 2009. Estava prestes a partir para a rodoviária e pegar o ônibus que me levaria à cidade de São Paulo, onde minha história dentro do seminário começaria. Minhas malas já estavam na porta, prontas para o embarque. Me despedi dos meus pais e de dois amigos. O Padre Francisco me aguardava no carro para me levar até a rodoviária, pois meus pais não queriam me ver entrando no ônibus.

Ali estava eu, parado diante da porta, sem saber o que fazer. As lágrimas escorriam com frequência, e minhas mãos suavam tanto que sentia gotas caírem no chão. Mesmo assim, tinha que encarar o fato de que estava prestes a dar os primeiros passos no longo caminho que eu precisava trilhar para alcançar meu objetivo. Respirei fundo, peguei a bagagem e ultrapassei a porta. A partir daquele momento, minha vida estava prestes a mudar.

Despedindo-me pela última vez de meus pais, dei uma última olhada na casa onde cresci. Antes de entrar no carro, ouvi uma voz gritar:

- Paulo, fique com Deus e seja feliz na sua escolha!

Quando olhei para trás, vi minha mãe, com os olhos cheios de lágrimas, pronunciando suas últimas palavras antes de eu partir. Entrei no carro, e o silêncio tomou conta de nós durante o trajeto até a rodoviária. Na metade do caminho, o Padre Francisco quebrou o silêncio:

- Já passei por isso e sei como é difícil deixar para trás as pessoas que amamos. A saudade, nesses momentos, é um dos maiores desafios. Vai ser uma dor constante, mas seja forte e reze bastante para que Deus te ajude a superar.

Essas palavras trouxeram algum consolo, porque eu já sentia a dor da perda da minha família.

Alguns minutos depois, avistamos a rodoviária. Uma grande fila de pessoas já se formava, todas aguardando seus respectivos ônibus. Estacionamos ao lado de um ponto de táxi. O Padre Francisco tirou minhas malas do porta-malas e seguimos para a plataforma número quatro, onde o ônibus ainda não havia chegado. Nos últimos minutos, ele me deu alguns conselhos que eu deveria guardar para minha caminhada no seminário.

Enquanto conversávamos, o ônibus apareceu, e meu coração disparou. Minhas mãos começaram a suar novamente, e senti que não aguentaria ficar em pé por muito mais tempo. Quando o ônibus estacionou, vi que havia uma placa no para-brisa: Belo Horizonte a São Paulo. O nervosismo tomou conta de mim. Meus olhos se encheram de lágrimas e, novamente, minha mente entrou em turbilhão. Uma voz dentro de mim disse:

- Não posso desistir agora. Tenho que seguir em frente, se é isso mesmo que eu quero.

Resolvi me despedir logo do Padre e entrar no ônibus, porque, se prolongasse ainda mais a despedida, poderia mudar de ideia naquele momento. Então, abracei o Padre Francisco e pedi sua bênção. Ele me abençoou e disse:

- Vá com Deus, Paulo, e que você seja muito feliz nessa caminhada. Mas tenha sempre cuidado, porque a vida no seminário traz muitos desafios, mistérios que não estamos preparados para enfrentar. Nunca se esqueça de pedir forças a Deus para superar tudo o que virá.

Naquele momento, não compreendi completamente o que ele queria dizer. Afinal, eu estava indo para um seminário, um lugar de oração e profunda comunhão com Deus, onde todos caminhavam na mesma direção. Mas guardei aquelas palavras para mim.

Quando entrei no ônibus, procurei minha poltrona, a número dezenove, e logo a encontrei. Olhei no relógio e já eram 00h15min. Olhei pela janela e vi o Padre Francisco acenando para mim, mas logo ele desapareceu de vista. O motorista, um homem de voz grossa e forte, chamou nossa atenção:

- Por favor, todos coloquem o cinto de segurança. Se não houver imprevistos, devemos chegar a São Paulo por volta de 06h15min.

O ônibus estava pronto para partir. O motor roncou e logo começamos a nos movimentar. Olhei pela última vez para a janela, tentando encontrar o Padre Francisco, mas ele já havia ido embora. As luzes do ônibus se apagaram, e a poltrona ao meu lado estava vazia. Isso me deu algum espaço para me acomodar, e logo pude colocar meus pés sobre o chão frio. Percebi que todos ao meu redor tentavam dormir, menos eu.

Naquele momento, toda a história da minha vida passava pela minha cabeça. Eu estava com medo. Eu iria morar com pessoas desconhecidas, pessoas que nunca tinha visto antes. Lembrei de como tudo isso havia começado, quatro anos antes, quando conheci pela primeira vez a ordem dos eclesiásticos.

Era 27 de fevereiro, e eu tinha 17 anos. Na escola, falamos sobre vocação e sobre testes vocacionais para ajudar a escolher uma profissão. Quando a psicóloga me perguntou que profissão eu gostaria de seguir, minha resposta saiu de forma quase involuntária: 

- Quero ser sacerdote.

A psicóloga ficou surpresa, pois nunca ninguém havia respondido daquela maneira. Mas a partir daquele momento, minha vida começou a mudar. Nunca tinha pensado em ser padre, mas, de repente, aquele desejo parecia ter surgido do nada e ganhado uma força inexplicável.

Cheguei em casa e contei aos meus pais. Para eles, foi uma surpresa, pois nunca havia mencionado nada sobre isso e, além disso, fazia tempo que não frequentava a igreja. No mesmo dia, fui à igreja de São Brás, no meu bairro, à procura de um sacerdote. Quando entrei na secretaria, encontrei uma mulher simpática e morena, que parecia ter cerca de 29 anos. Ela me disse, com uma voz suave e acolhedora:

- Boa tarde! Meu nome é Patrícia, em que posso te ajudar?

Eu me apresentei rapidamente:

- Meu nome é Paulo. Gostaria de falar com o padre dessa paróquia. Qual é o nome dele?

- O nome dele é Nicolau Stonieguer. Mas ele não está aqui, pois todos os padres estão no retiro do clero em Mariana, na Diocese.

Eu insisti:

- Será que não tem como falar com ele, nem que seja por um momento? É uma questão urgente.

Patrícia me olhou com certa compaixão, mas respondeu que só poderia tentar na sexta-feira, quando o Padre Nicolau retornaria. Era terça-feira e eu não aguentaria esperar. Agradeci e saí, tentando encontrar uma solução em outro lugar. Decidi tentar a paróquia São Bartolomeu, em um bairro vizinho.

Chegando lá, fui atendido por Adriano, um rapaz de voz calma. Perguntei se algum padre estava disponível. Ele olhou para mim com uma expressão de surpresa e respondeu:

- Depende de qual assunto quer tratar. É para confissão?

Minha resposta foi imediata:

- Sim, é para confissão.

Adriano me olhou com um brilho nos olhos.

- Coincidentemente, o reitor do seminário está em visita à cidade. Ele não pertence a esta diocese, então não está no retiro. Se for para confissão, ele pode te atender agora mesmo.

Naquele instante, senti que era Deus providenciando a oportunidade. O coração batia mais forte, uma mistura de ansiedade e esperança. Adriano se afastou para chamar o reitor, e eu fiquei ali, esperando, com o coração apertado, sem saber ao certo o que viria pela frente.

Momentos depois, Adriano voltou, seguido por um homem de estatura mediana, cabelos grisalhos e um olhar sereno, mas intenso. Ele se aproximou de mim e, com um aperto de mão firme, me cumprimentou.

- Eu sou o reitor do seminário. Ouvi que você gostaria de fazer uma confissão.

Eu, um pouco surpreso pela mudança repentina no contexto, afirmei:

- Sim, eu… gostaria muito. Tenho algo importante para compartilhar, algo que tem estado no meu coração.

O reitor me olhou com uma expressão compreensiva.

- Antes de mais nada, pode falar com toda a confiança, meu filho. A confissão é um momento sagrado, mas também é um espaço onde você pode abrir o coração sobre tudo o que está vivendo, suas dúvidas, suas lutas. Diga-me, o que pesa sobre o seu coração?

Fiquei em silêncio por alguns instantes, sentindo o peso daquelas palavras. Então, com uma sensação crescente de que estava, talvez, no lugar certo, comecei a falar sobre a minha vocação, sobre o desejo que havia despertado em mim, sobre os medos e inseguranças que me acompanharam até ali.

- Eu estou… indeciso, padre. Não sei se realmente sou digno de seguir essa vida. Sinto que estou sendo chamado, mas também tenho medo da responsabilidade que isso envolve. Eu… não sei se estou pronto.

O reitor sorriu suavemente e, então, disse com uma voz firme, mas acolhedora:

- A vocação nunca é algo simples, Paulo. Ela não vem sem desafios e, muitas vezes, sentimos medo. Mas a grande verdade é que, ao aceitá-la, você não está indo sozinho. Deus sempre estará com você. E é nesse caminho, com fé e coragem, que você se descobrirá preparado, mesmo sem perceber. Não é sobre estar pronto, mas sobre estar disposto a caminhar com o coração aberto.

 

 

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