Um dia, ao acordar, Nice indagou: por que esquecemos?
Talvez, já tivesse feito várias vezes
essa pergunta, só que esqueceu sua resposta, ou mesmo que já tivesse feito essa
pergunta. Ao se levantar, continuou; esquecer é algo que acontece com todos? Após o banho, foi preparar seu café, e
continuou indagando: ao ser esquecido, o fato deixa de existir? Nice se
recordou da leitura de um romance; lembrou alguns personagens, mas não o titulo;
forçou um pouco a memória, e acabou por lembrar o livro de que mais gosta;
lembrou os personagens, o titulo, o sentido. Pois sempre estava relendo esse
livro. Mas e aqueles que ela nem se lembra de ter lido? Esses deixaram de
existir na sua memória.
Ao longo do dia, Nice continuou a
pensar sobre o esquecimento, quando caminhava para seu trabalho. Retomou
algumas memórias do passado e do tempo quando era criança, pensou nos dias em
que foi feliz no sitio da família e nas aventuras que vivera com seus amigos de
escola. Nessa altura, chegando ao serviço, ela parou e lembrou que
não tinha trancado a porta de casa. Ao voltar, viu que a porta estava fechada.
A lembrança da porta aberta a enganou.
Chegando ao trabalho, indagou sobre aquele fato, das vezes que achou ter
vivenciado uma situação, mas na verdade vivenciou outra. Nem sempre a lembrança acerta, requer às
vezes retomar o lugar e conferir a validade da lembrança, disse Nice.
Ao sair do serviço, Nice foi em direção a sua
casa. No meio do caminho, resolveu parar em um bar conhecido; fazia anos que
não entrava naquele estabelecimento. Ao entrar, deparou-se com Lucas, proprietário do bar. Ao
cumprimentar, fez a seguinte pergunta: quando foi a última vez que estive aqui?
Na semana passada, respondeu Lucas.
Tinha me esquecido, respondeu Nice. Com essa resposta, ela percebeu que
mesmo que tivesse esquecido algo, esse algo não deixou de existir, e que por
mais que não fizesse parte da memória dela, fazia parte da memória de alguém. Percebeu
que fatos e acontecimentos aos quais não dava muita importância tinham
facilidade de sumir, e que ao longo dos anos, mesmo que tenhamos esquecido
algo, ele volta como um devaneio.
Ao chegar em casa, Nice ascende a luz da sala e vê alguns
porta-retratos na estante. No meio deles, tinha um especial: moldura antiga,
verde escuro com dourado, a foto desbotada sem cor, tirada de uma máquina
antiga. Retratava um dia especial para Nice, do qual há muito não se lembrava, mas que nunca deixou de
existir. Sempre esteve ali guardado na memória, que voltou como devaneio
através da fotografia.