terça-feira, 27 de março de 2018

Nice em o esquecimento - Nelsinho Ferreira


Um dia,  ao acordar, Nice indagou: por que esquecemos? Talvez,  já tivesse feito várias vezes essa pergunta, só que esqueceu sua resposta, ou mesmo que já tivesse feito essa pergunta. Ao se levantar, continuou; esquecer é algo que acontece com todos?  Após o banho, foi preparar seu café, e continuou indagando:  ao ser  esquecido, o fato deixa de existir? Nice se recordou  da leitura de um romance;  lembrou alguns personagens, mas não o titulo; forçou um pouco a memória, e acabou por lembrar o livro de que mais gosta; lembrou os personagens, o titulo, o sentido. Pois sempre estava relendo esse livro. Mas e aqueles que ela nem se lembra de ter lido? Esses deixaram de existir na sua memória.
Ao longo do dia, Nice continuou a pensar sobre o esquecimento, quando caminhava para seu trabalho. Retomou algumas memórias do passado e do tempo quando era criança, pensou nos dias em que foi feliz no sitio da família e nas aventuras que vivera com seus amigos de escola.  Nessa altura,  chegando ao serviço, ela parou e lembrou que não tinha trancado a porta de casa. Ao voltar, viu que a porta estava fechada. A lembrança da porta aberta a enganou.  Chegando ao trabalho, indagou sobre aquele fato, das vezes que achou ter vivenciado uma situação, mas na verdade vivenciou outra.  Nem sempre a lembrança acerta, requer às vezes retomar o lugar e conferir a validade da lembrança, disse Nice.
 Ao sair do serviço, Nice foi em direção a sua casa. No meio do caminho, resolveu parar em um bar conhecido; fazia anos que não entrava naquele estabelecimento. Ao entrar,  deparou-se com Lucas, proprietário do bar. Ao cumprimentar, fez a seguinte pergunta: quando foi a última vez que estive aqui? Na semana passada, respondeu Lucas.  Tinha me esquecido, respondeu Nice. Com essa resposta, ela percebeu que mesmo que tivesse esquecido algo, esse algo não deixou de existir, e que por mais que não fizesse parte da memória dela, fazia parte da memória de alguém. Percebeu que fatos e acontecimentos aos quais não dava muita importância tinham facilidade de sumir, e que ao longo dos anos, mesmo que tenhamos esquecido algo, ele volta como um devaneio.
Ao chegar em  casa, Nice ascende a luz da sala e vê alguns porta-retratos na estante. No meio deles, tinha um especial: moldura antiga, verde escuro com dourado, a foto desbotada sem cor, tirada de uma máquina antiga. Retratava um dia especial para Nice, do qual há muito  não se lembrava, mas que nunca deixou de existir. Sempre esteve ali guardado na memória, que voltou como devaneio através da fotografia.
 



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