quinta-feira, 3 de abril de 2025

O Reflexo - Nelsinho Ferreira

     

Às vezes, o espelho não revela apenas a imagem física de quem somos, mas também o reflexo de um vazio, de uma inquietação que não conseguimos explicar. Olhamos para nós mesmos e não reconhecemos quem está ali, como se o que vemos não fosse o que somos de verdade. O rosto no espelho é familiar, mas a alma parece distante, como se não fosse mais nossa.

A sociedade, com sua teia de expectativas e papéis impostos, nos ensina a atuar. Desde pequenos, nos dizem o que devemos fazer, o que devemos ser. Somos educados para ocupar um lugar, para representar um papel, para ser algo para os outros: o filho, o amigo, o trabalhador, o estudante, o parceiro. Mas, ao longo do tempo, esquecemos de quem somos por trás dessas funções. O que acontece quando o papel se torna tão grande que engole o ator? O que acontece quando, ao olhar no espelho, não vemos mais a nossa essência, mas uma máscara que colocamos todos os dias?

A dificuldade de se reconhecer em si mesmo vai além da aparência física. Ela está na desconexão com a nossa verdade interna, com os nossos próprios desejos, sonhos e sentimentos. Estamos tão focados em agradar os outros, em atender às expectativas da sociedade, que esquecemos de perguntar: quem sou eu realmente? O que faz o meu coração bater mais forte? O que me move de dentro para fora? A correria da vida cotidiana, cheia de obrigações, nos distancia do que realmente importa.

No entanto, há algo curioso e libertador nesse processo de não nos reconhecermos. Às vezes, é justamente nesse momento de desconexão que somos forçados a olhar mais profundamente. O espelho não é mais um mero reflexo, mas um convite para a reinvenção. Ele nos desafia a olhar além da superfície, a questionar as verdades que nos foram impostas e a buscar o que é genuíno em nós.

Talvez o reconhecimento de si mesmo não seja algo que se encontra, mas algo que se constrói. O processo de descobrir quem somos é uma jornada constante, que vai além do simples ato de olhar. E, assim, ao invés de tentar encontrar uma resposta imediata, podemos aprender a viver com as perguntas, a permitir que o espelho nos mostre não só o que somos agora, mas também o que podemos vir a ser. Reconhecer-se, então, não é se prender a uma imagem estática, mas permitir-se evoluir, se reinventar e, finalmente, aceitar que o reflexo mais verdadeiro é aquele que ainda estamos por descobrir.

domingo, 16 de março de 2025

Despedida - Nelsinho Ferreira

Mesmo sabendo que nossos caminhos se distanciam, é impossível negar que algo de nós dois vai permanecer para sempre. Não são as palavras que importam, mas os gestos, os olhares, a cumplicidade que só quem viveu sabe compreender. E, enquanto cada um de nós segue sua jornada, um pedaço do que fomos ainda ecoa nas lembranças, como uma melodia suave e, ao mesmo tempo, pungente.

O tempo não apaga o que sentimos. A separação não apaga o que foi vivido. E, por mais que a vida siga, há algo em mim que permanece ali, nas entrelinhas de tudo o que deixamos para trás. Não é algo que se explica, nem algo que se resolve. É uma saudade que se mistura com o entendimento de que, às vezes, o maior gesto de amor é permitir que o outro siga, mesmo que a dor teimosa insista em nos prender ao que foi.

A despedida não é o fim. Ela é apenas o momento em que somos forçados a entender que a vida, por mais que nos parta ao meio, ainda tem o poder de nos transformar. E, por mais distante que estejamos, o que ficou de nós sempre será uma parte que não se dissolve. Apenas se transforma.